(
) O processo de Reforma Agrária inaugura uma nova história,
uma nova cultura, a cultura que nasce de um processo de transformação
do mundo. Por isso mesmo, ela implica em transformações sociais
(
), por exemplo, a superação de uma cultura profundamente
paternalista e fatalista em que o camponês se perdia (
), enquanto
objeto quase puro excluído (
). Por sua reincorporação
ao processo da produção, ele ganha uma posição social
que não tinha, uma história que ele não tinha (
). Na
verdade, ele descobre que o fatalismo já não explica coisa nenhuma
e que, tendo sido capaz de transformar a terra, ele é capaz de transformar
a história e a cultura. Da posição fatalista, ele renasce,
numa posição de inserção, de presença na história,
não mais como objeto, mas também como sujeito da história.
Ora, isso tudo são tarefas educativas. Então, trabalhar no sentido
de ajudar os homens e as mulheres brasileiras a exercer o direito de poder estar
de pé no chão, cavando o chão, retificando o chão,
fazendo com que o chão produza melhor é um direito e um dever nosso.
A educação é uma das chaves para abrir essas portas. Eu nunca me esqueço de uma frase linda que eu ouvi de um educador, de um alfabetizador camponês de um grupo de Sem Terra de um assentamento enorme no Rio Grande do Sul onde eu fui, quando ele disse: "pela
força do nosso trabalho, pela nossa luta, cortamos o arame farpado do latifúndio e entramos nele, mas quando nele chegamos, vimos que havia outros arames farpados, como o arame da nossa ignorância". "Então eu percebi melhor ainda naquele dia", disse ele, "que quanto mais inocentes, tanto melhor somos para os donos do mundo". (…) Eu acho que essa é uma tarefa que não é só política, que não é só ideológica, mas também pedagógica. Não há Reforma Agrária sem isso.
Eu vou mandar um recado para os jovens professores (...): Vivam por mim, já que eu não posso viver, com crianças e com adultos que, com sua luta, estão buscando ser eles mesmos e elas mesmas.
1 Nota do editor: Reprodução da entrevista autorizada
pelo MST de São Paulo. A gravação do depoimento foi apresentada
durante o I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras de Reforma Agrária
(RA): Movimento Sem Terra: Com Escola, Terra e Dignidade, realizado em Brasília,
UNB, 28 a 31 de Julho de 1997.
2 Nota do editor: Em 1997, aos 76 anos, morre o Professor Paulo Freire
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